terça-feira, 13 de abril de 2010

Predileção


Admiro de um modo bruto o sabor salgado que vem de você, consumo lentamente, como se provasse o próprio sumo da esperança, o teu jeito rebelde e até devasso. Eu sei tanto da sua verdade. Nem consigo disfarçar, demorar algum tempo, me fazer de rogada, gosto mesmo é de brigar fazendo as pazes, gosto mesmo é de ver você indo, sabendo da tua volta.
É um tipo de amor tão efervescente e eu sei que ele nasce no teu colo, nasce por ti, através de teus cabelos e das tuas mãos, adoro saber da tua existência, do teu cheiro acre, um cheiro que me domina, se apossa da minha sensatez.
Fico um tanto fraca, os meus nervos, que outrora foram de aço, abrem passagem para algumas centenas de varas verdes insones, que balançam de um lado a outro com o soprar dos ventos. A tua natureza me incomoda a tal passo que não consigo ser sem saber do teu paradeiro, eu sei ainda que tu gosta do meu jeito provinciano de te admirar. Sei da tua espera e do teu brilho por mim.
Sei também os males que lhe fenecem, das horas que esperas por mim, eu te faço esperar assim, como que deixasse o melhor dos doces plantado, é um jeito torto de planejar o primeiro sabor, até displicente de dizer o quanto tu estás nos mais diversos gestos.
Gosto de vislumbrar minha chegada, sua feição, aquela alegria contida, um prazer de contar o dia, o acaso, pra quem se ama de verdade, uma vontade indomável de viver conflitos na rua, no mundo das coisas, só pra chegar em casa tendo o que contar e ter aquele minuto infinito de atenção, carinho e apoio nas travessuras.
E não é que o dia-a-dia de cumplicidade é quase uma reza, um ritual de purificação pra se poder suportar outra jornada, pra se poder sobreviver a vida de caos que o universo produtivo nos impõe. Saber da existência de um ombro balsâmico a nos acolher é como que chegar ao paraíso bem assim diante dos olhos.
Mas há a falta de tudo isso, pode ser uma dor não ter teu cheiro ao final de uma espera, contudo, sempre vai haver um outro dia de esperança pra corações tão teimosos e cheios de razão como os nossos.
Monise Busquets

Crédito imagem:

Diego Rivera
Desnudo con alcatraces, 1944
Óleo sobre tela

sexta-feira, 5 de março de 2010

Sobre os dias



se toda vez que nascesse um dia
fosse uma forma de recomeço
talvez seria mais fácil perceber
que na vida, mesmo assim vazia,
todo fim é sempre um começo
mesmo que ninguem consiga ver

de certo modo, passar pela vida
é fazer coisas tolas como se fossem sérias
enquanto pensamos no bucólico
ou no lazer improdutivo e insano das férias
passa a vida como algo sólido

irremediavelmente indo em frente
não se pode barganhar outro destino
a impetuosidade das horas a pino
lança nossa vida diária no batente

nesse interim, teus dias já se foram
e talvez o cansaço que te abate agora
é fruto de lutas vãs que não vingaram
o que tem pronto para essa hora?

nascer é o começo daquilo que lutamos para não lembrar
a angústia dos dias é também o medo da aproximação
de uma sentença bradada no primeiro choramigar
por isso é melhor rir e confortar na alegria o coração.


Queridos, hoje, em 05 de Março, eu gostaria de comungar com vocês essa poesia, deixarei as crônicas e o cinema descansarem, por essa data, e vou falar do que é viver e de fato existir, por mais um ano.

Monise Busquets

Créditos Imagem:
Auguste Renoir
Boating
Óleo Sobre Tela

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Crônica de Manhãzinha



Hoje o sol claro inunda meu dia, aqui, presa a mansidão de uma manhã de paz. É carnaval, o mundo aí fora comemora a beleza e a desventura da carne. Sei que no meu universo tudo é oposto, não tenho o que comemorar, mas também não tenho do que me aliviar.
Escuto o barulho dos pássaros, a leveza do rio, vejo em seus braços folhas sendo carregadas e é como se fosse um tipo de terapia, a terapia própria da natureza, parece até que diante de tanta mansidão posso ser aquele alguém feito de calma e paz. Vejo o céu límpido ao longe, contemplo a beleza dessa atmosfera e vejo em mim a falta de calmaria, de tranqüilidade para viver.
Sei que o amor não se perde assim, sei que a alegria não é esquecida pelas dores vividas, se fosse não existiria a saudade. Saudade é coisa doce, coisa plena, que não deixa de doer, que não seca o lacrimejar. Fico aqui submersa na alegria e na contemplação e penso como a complacência é elemento essencial para se viver ao lado de alguém, qualquer que seja.
Formulo perguntas em minha cabeça, porque não exercitamos o dom do perdão?, porque nos fantasiamos de orgulho e desejamos ardentemente que nos peçam desculpas? Quisera eu imaginar que somos mais amor do que dor, que somos mais compreensão do que orgulho, mais afabilidade e docilidade do que desprezo.
Gosto de pensar que somos o suficiente um para os outros, independente de nossos goles de segredo, nem tudo se diz para a coisa amada, curiosamente, nem tudo que nos vai a mente é plausível em discursos. Precisamos desse retiro interior, pensar coisas dantescas, ou desastrosas, ou ilusões febris de uma tarde de verão, precisamos desses goles oníricos para continuarmos existindo nessa vida tão prática.
Pensando sobre o amor e sua importância dual, sei que o equilíbrio é o calar-se, o ausentar-se, por vezes, mas como isso é torduoso, como fere a ausência, como a falta é pior do que a presença a contra gosto. Ah mas a clareza de se compreender e entender o outro só pode surgir a partir do momento em que não temos o amor ali juntinho.
A possibilidade ainda que vã, ainda que presente só na imaginação de perder o amor é quase enlouquecedora, nos faz cometer pecados que podem, sim, levar o amor às trevas. A contemplação do que existe, a resignação e claro, a complacência ainda são requisitos básicos para se viver um grande amor. E quando falo de grande amor não me refiro a relações duradouras e engessadas, me refiro a relações de cumplicidade e bem querer.
Imagino que seja sonho de qualquer ser humano passional encontrar aquele alguém com quem se possa contar, com quem se possa abraçar e sentir a alma pelo cheio que sai do nariz. Eu sou assim, e encontrei a coisa amada, só preciso aprender a amar direitinho, devagarzinho, de mansinho que é pra não aprisionar, que é pra não molestar o objeto desse amor.
Preciso aprender a esperar, a deixar a ânsia falar sozinha, afinal tenho o resto dos dias para amar, e amor é bom quando dá um gole todo dia e não uma enxurrada de prazer e um golpe de dor, assim de uma só vez.
Volto-me aos pássaros dessa manhã e percebo como são regulares os seus vôos, como são traçadas suas acrobacias e como é a sensação de liberdade.
Observo também que quase nunca estão sozinhos, que mesmo arriscando passos e novas possibilidades nos céus, sempre há seu companheiro a vigiar, a apoiar seu balé pelo ar. Vejo que na vida do amar é mesmo assim, somo livres por ter alguém a nos acompanhar em nossas investiduras por aí, a aceitar a dualidade do que é ser humano.

Monise Busquets

Crédito Imagem:
Amedeo Modigliani
Reclining Nude
Óleo sobre tela

domingo, 17 de janeiro de 2010

A Crônica da hipocrisia

Monise Busquets

O mais curioso das relações entre os seres humanos é a tal da hipocrisia, até mesmo o ser humano mais xiita em suas atitudes, aquele ser humano que nega a hipocrisia a todo custo e faz disso uma bandeira, é cooptado, através de seus interesses, a ser o mais hipócrita de todos.
Contudo, amigos leitores, não podemos esquecer algo importante, viver é a pior das hipocrisias, ao passo em que sabemos da morte eminente, ou nem tanto, de nossas vidas, então, viver um momento intensamente é esquecer da morte a espreita. Não, eu não gostaria de ser alguém um tanto pessimista, mas me é necessário nesse momento, quando fecho meus olhos e penso na corrida social, na luta por posições.
Vejo claramente que vivemos em busca de colocações, colocações nem tão justas assim, almejamos patamares de reconhecimento e fazemos disso filosofia de vida, passamos por cima de tudo, inclusive da própria ética, renegamos as emoções e não nos importamos com o sentimento do próximo.
O pior em tudo, na verdade, não são os meios e sim os fins, ao final de todas as buscas, de todas as sedes, percebe-se que se está sozinho, ou com aquele consolo frívolo, percebe-se que na verdade toda busca nos leva a situações em que temos que colocar objetivos e sentimentos em bandejas inversamente proporcionais.
Caríssimos, não há remédio que sane essa dor, curiosamente só nos apercebemos de tal moléstia quando não se há chances de recuperar o que foi, ou mesmo de tomar outro caminho. Somos imediatistas por natureza e quando a alma nos arde buscamos o que é externo para preencher essa lacuna, lacuna da própria falta de sentido para a existência.
A hipocrisia é tão sórdida, mas é algo tão necessário, o que seria da vida social sem esse embuste? Não saberia nem se quer imaginar tal situação, mas devo confessar que penso no quanto relações puras e verdadeiras se perdem em meio a essa bruma.
Fomos ensinados de que o melhor objetivo na vida é aquele ligado ao profissional, negamos os sentimentos e emoções, nossas metas são relativas às coisas materiais, às coisas do mundo.
A suspeita que tenho nessas situações é uma única, como pode o homem, em toda a plenitude de suas emoções e em toda verdade de sua humanidade, esquecer de suas próprias origens, não viver da matéria prima que criou sua alma, a sensibilidade, a verdade sobre o amor.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

A volta.


Olá amigos e leitores, sei que a distância entre nós foi grande, devo admitir que imensa, mas não imaginem que deixei de pensar ou mesmo refletir sobre o cinema, não, isso nunca! Queridos, penso que nossas reflexões agora serão em torno de uma vertente muito mais Tarkovisquiana, para os amantes de Andrei Tarkovyski será um prazer e tanto.
O filme que exaltarei nesse post, peço a vocês meus amados companheiros de películas, que assistam, se assim puderem, pois tal filme me causou um enorme prazer, falo aqui de O Espelho. Filme produzido na década de 70 que fala muito da própria história do diretor, não é um filme convencional ou o tipo de narrativa que guarda início, meio e fim, na verdade são conjunções de cenas, acontecimentos que vão se justapondo. Uma característica que faz uma diferença grande é o som não ter uma ligação direta com as imagens, provocando uma sensação muito curiosa ao espectador, pois na verdade é ele quem vai definir o tempo do filme.
O próprio título do filme trás uma interpretação reflexiva, ou seja, no sentido de busca de um sentido ou de vários sentidos e também no sentido de “refletir” as vivências, ponderações e elaborações interpretativas daquele que o assiste. Só por esses elementos já é uma oportunidade e tanto para o mundo do cinema arte, então, aos amantes do Cinema Arte, assistam, vejam, ou como costuma dizer o meu Auter-ego, consumam Tarkovyski!

Besos

Modi

quinta-feira, 21 de maio de 2009

Reflexões....

Estou aqui embebida em tantos ares e divagações. São as várias impressões do mundo e das nuances que formam um ser. Eu sei que o meu ser está sendo construído, sendo moldado com todos os encantos e desencantos próprios da criação.
Hoje, o que me toca é o cinema e todo o seu poder, venho fazendo minhas reflexões e gostaria de compartilhá-las contigo, tenho visto obras e mais obras, algumas de importância sacerdotal para um cinéfilo convicto, outras, nem tanto. A primeira delas que quero dividir é Stroszek, uma história preciosa por suas narrativas, pelo sonho desfeito, por quebrar a ilusão de que em terras americanas um ser é mais feliz do que em qualquer outro canto da terra. Penso que esse filme é especial pelo modo perspicaz como o diálogo é tratado, aqui abro um parêntese, cinema não é literatura e nem pode ser, cinema não é tradução simultânea de diálogos, o cinema deve ser por si só.
Deve ser respeitado em sua possibilidade de construção dialógica baseada na essência do ser humano, nas dualidades humanas, o cinema deve e pode explorar a expressão artística e menos o diálogo, não é preciso que tudo, até mesmo as tenuidades, sejam exaustivamente tratadas, a arte tem muito da sutileza do olhar, da sutileza do mundo.
Voltando a Stroszek, devo dizer por que é um filme de importância enorme, é uma narrativa linear e ao passo que seu enredo vai ascendendo jamais podemos imaginar que ele será tão caótico, que o seu fim será tão desastroso. Vale enaltecer o tempo do filme, tipicamente europeu, um filme lento, com especial destaque para a última parte, quando um som de disparo de uma arma ecoa por todo o cenário e temos a fala de um policial pedindo reforços por ter um louco com uma arma em uma roda-gigante.
A meu ver, essa fala do policial é anterior ao disparo, pois quando o personagem aperta o gatilho é com a intenção de dar cabo de sua vida, sanar os seus sofrimentos e seus fracassos.
Imprescindível é essa obra e não apenas essa, volto-me agora para questões muito mais próprias de nossa realidade social, com o Terra Vermelha, tem traços de cinema denúncia, mas não se configura como tal pela leveza como trata um tema de tamanha complexidade, gosto particularmente dessa obra por que os personagens não se tornaram caricatos ou estereótipos, mas são tratados como vítimas da situação. São dois lados que se confrontam, o índio e o homem branco.
Sua beleza está na escolha da narrativa, transparece ao espectador que o índio não tem a mesma lógica de discurso que o branco, que ele não utiliza os mesmos modos de expressão que um branco, na verdade é um modo tão mais visceral que outra coisa. Uma cena que deixa isso bem colocado é, ao final, onde o latifundiário explica ao índio porque aquela terra é tão importante para ele, pois três gerações de uma mesma família se afirmaram e tiraram seu sustento em cima daquelas terras, após essa explicação o índio, em resposta, pega um punhado de terra e come, não há nada mais poético em todo o filme que essa cena.
A poesia está no fato de o índio não ter palavras que expressem a sua necessidade da terra. A necessidade da comunidade indígena é ligada diretamente a sobrevivência e a ação do índio comendo um punhado de terra é tal como dizer que a terra é o próprio alimento.
E não só essa nuance torna o filme emblemático, mas a própria aculturação indígena, a absorção dos valores brancos, o quanto um tênis de marca ou um shopping passam a ter valor para um indígena enquanto a comunidade trabalha pelo alimento, o filme trata também desse fator que acomete as comunidades indígenas. Inclusive esse aspecto tem um forte impacto sobre a trama.


Ps: Estive muito sumida, eu sei, devo me desculpar com meus leitores, foi a pura falta de tempo.

Besos!

terça-feira, 5 de maio de 2009

Terra Vermelha

Queridos,

Estou bem sumida esses dias, é verdade. Hoje farei uma indicação de filme, assistam Terra Vermelha, farei um comentário a posteriori nesse espaço de discussão, por agora vou deixar o Trailer do filme no link abaixo para vocês se deliciarem...

Suerte

http://www.youtube.com/watch?v=4uz6WBQLr40&hl=pt-BR