quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010
Crônica de Manhãzinha
Hoje o sol claro inunda meu dia, aqui, presa a mansidão de uma manhã de paz. É carnaval, o mundo aí fora comemora a beleza e a desventura da carne. Sei que no meu universo tudo é oposto, não tenho o que comemorar, mas também não tenho do que me aliviar.
Escuto o barulho dos pássaros, a leveza do rio, vejo em seus braços folhas sendo carregadas e é como se fosse um tipo de terapia, a terapia própria da natureza, parece até que diante de tanta mansidão posso ser aquele alguém feito de calma e paz. Vejo o céu límpido ao longe, contemplo a beleza dessa atmosfera e vejo em mim a falta de calmaria, de tranqüilidade para viver.
Sei que o amor não se perde assim, sei que a alegria não é esquecida pelas dores vividas, se fosse não existiria a saudade. Saudade é coisa doce, coisa plena, que não deixa de doer, que não seca o lacrimejar. Fico aqui submersa na alegria e na contemplação e penso como a complacência é elemento essencial para se viver ao lado de alguém, qualquer que seja.
Formulo perguntas em minha cabeça, porque não exercitamos o dom do perdão?, porque nos fantasiamos de orgulho e desejamos ardentemente que nos peçam desculpas? Quisera eu imaginar que somos mais amor do que dor, que somos mais compreensão do que orgulho, mais afabilidade e docilidade do que desprezo.
Gosto de pensar que somos o suficiente um para os outros, independente de nossos goles de segredo, nem tudo se diz para a coisa amada, curiosamente, nem tudo que nos vai a mente é plausível em discursos. Precisamos desse retiro interior, pensar coisas dantescas, ou desastrosas, ou ilusões febris de uma tarde de verão, precisamos desses goles oníricos para continuarmos existindo nessa vida tão prática.
Pensando sobre o amor e sua importância dual, sei que o equilíbrio é o calar-se, o ausentar-se, por vezes, mas como isso é torduoso, como fere a ausência, como a falta é pior do que a presença a contra gosto. Ah mas a clareza de se compreender e entender o outro só pode surgir a partir do momento em que não temos o amor ali juntinho.
A possibilidade ainda que vã, ainda que presente só na imaginação de perder o amor é quase enlouquecedora, nos faz cometer pecados que podem, sim, levar o amor às trevas. A contemplação do que existe, a resignação e claro, a complacência ainda são requisitos básicos para se viver um grande amor. E quando falo de grande amor não me refiro a relações duradouras e engessadas, me refiro a relações de cumplicidade e bem querer.
Imagino que seja sonho de qualquer ser humano passional encontrar aquele alguém com quem se possa contar, com quem se possa abraçar e sentir a alma pelo cheio que sai do nariz. Eu sou assim, e encontrei a coisa amada, só preciso aprender a amar direitinho, devagarzinho, de mansinho que é pra não aprisionar, que é pra não molestar o objeto desse amor.
Preciso aprender a esperar, a deixar a ânsia falar sozinha, afinal tenho o resto dos dias para amar, e amor é bom quando dá um gole todo dia e não uma enxurrada de prazer e um golpe de dor, assim de uma só vez.
Volto-me aos pássaros dessa manhã e percebo como são regulares os seus vôos, como são traçadas suas acrobacias e como é a sensação de liberdade.
Observo também que quase nunca estão sozinhos, que mesmo arriscando passos e novas possibilidades nos céus, sempre há seu companheiro a vigiar, a apoiar seu balé pelo ar. Vejo que na vida do amar é mesmo assim, somo livres por ter alguém a nos acompanhar em nossas investiduras por aí, a aceitar a dualidade do que é ser humano.
Monise Busquets
Crédito Imagem:
Amedeo Modigliani
Reclining Nude
Óleo sobre tela
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